Profissão professor
"Ser professor é a profissão mais fácil do mundo", dizem aqueles que não são e não sabem o que é ser professor...
Um grupo de professores recém-formados chega à escola para seu primeiro dia de trabalho na educação. Encontram estudantes hiperativos e uma carga horária abarrotada. Na sala dos professores, eles encontram o mestre mais velho daquela escola. Perguntam-lhe o que é preciso para ser um bom professor na atualidade. O tal mestre mais velho, segurando velhos livros rasurados da biblioteca, respira e desabafa:
- Ouçam bem, jovens professores, nestes vinte e cinco anos como professor em diferentes escolas e horários de trabalho, eu vi, senti e vivi muitas coisas nessa profissão, tantas que não caberiam num livro, mas vou resumi-las para vocês. Portanto, para ser professor no Brasil, a pessoa precisa conhecer as seguintes realidades das escolas:
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Saber que reunião com a Secretaria de Educação existe quase sempre para colocar a culpa dos problemas da educação no professor;
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Ministrar aula numa sala superlotada de alunos na missão impossível de fazer cada um deles aprender um assunto em 50 minutos;
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Usar livro didático escrito por quem nunca mais pisou em sala de aula da educação básica;
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Aplicar em todas as escolas, todos os anos, o mesmo plano de aula, pelos séculos dos séculos;
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Ser perseguido pela coordenação da escola porque você nunca entregou os planos de aulas no começo do ano letivo;
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Sujar sua roupa nova na cadeira que a zeladora da escola não limpou direito;
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Fazer milagre em escola rural com poucos recursos e um punhado de alunos sonhadores, num interiorzinho do Brasil que nem está no mapa;
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Ministrar aulas online em tempo de pandemia da Covid 19, agregando novas profissões à carreira docente: chefe de estúdio caseiro, editor de imagem, operador de som, expert em EAD para adolescentes, youtuber, digital influencer…;
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Aproveitar cada feriado do mês como se fosse o único do ano;
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Reconhecer que somos prioridade para o governo quando a questão é conter gastos;
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Passar exercícios de casa sabendo que a tarefa não será feita em lugar nenhum;
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Saber que alguns professores fingem que ensinam porque alunos fingem que aprendem e governos fingem que investem;
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Dar bom dia sorridente a diretor(a) mal-encarado(a);
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Mostrar aos estudantes que professor também tem vida social, vai à festa, à praia, ao médico e até a livraria;
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Organizar greve, mobilizar a categoria, chamar os colegas para a luta e faltar à passeata só para ir ao shopping;
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Entender que a secretária da escola não trabalha 24 horas na educação;
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Fazer recuperação com aluno num sábado letivo e esse mesmo aluno faltar sem justificativa;
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Morrer de raiva quando tudo dá errado na aula online: a webcam não liga, o slide abre desconfigurado, o vídeo trava toda hora, a internet oscila, os alunos não aparecem pra aula;
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Pedir que estudantes parem de jogar aviãozinho de papel no único ventilador de teto que ainda funciona na sala de aula;
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Arranhar a garganta em três turnos de aulas e ainda ter fôlego para ensinar os próprios filhos em casa;
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Cair doente, de doença desconhecida, no dia em que você tem mais aulas para ministrar;
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Corrigir trabalho de aluno escrito com letra de atestado médico ordinário;
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Passar filme sem a menor intenção pedagógica e cobrar da turma um trabalho cheio de pretensões didáticas;
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Fazer a média com a direção da escola para não perder as turmas no ano seguinte;
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Ter provas e mais provas e trabalhos para corrigir no fim de semana e ser cobrado a semana inteira pela escola;
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Afastar briga de adolescente na hora do intervalo, correndo o risco de levar um soco na face, e ainda ver o vídeo dessa luta bombar nas redes sociais, para a alegria dos alunos e desespero da direção da escola;
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Descobrir que nas universidades há alguns professores que não aprendem e há muitos educadores que ensinam;
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Realizar reunião de pais online (Covid 19) e sentir que esses pais estão tão perdidos no espaço virtual quanto os alunos nas aulas online;
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Assistir à propaganda do governo sobre a qualidade e o progresso da educação e não se sentir incluso nessa pós-verdade;
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Saber que os alunos mais traquinas têm entre eles um apelidozinho sem-vergonha para você;
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Aguentar piada infame do futuro sogro ao dizer que você é apenas um sofressorzinho;
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Fazer prova bem difícil para se vingar de turma indisciplinada;
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Perder seu nome de batismo e ganhar o de profissão onde quer que o aluno o encontre;
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Entender que os pais de alunos indisciplinados nunca comparecem à reunião de pais da escola porque eles sabem os filhos que têm;
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Deduzir que seu salário vai atrasar em ano de eleição, já que os partidos precisam de dinheiro para a campanha eleitoral;
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Explicar assunto difícil de explicar para uma turma impossível de entender;
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Pegar aluno colando várias vezes nas provas e ver esse mesmo aluno ser aprovado com mérito no final do ano;
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Descobrir que em tempos de aulas online o professor está sujeito a receber pelo celular as tarefas dos alunos em qualquer hora do dia, da semana e em qualquer mês (tarefas atrasadas);
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Aceitar desculpas de aluno que colocou chiclete na cadeira do professor e nem lembra mais o porquê;
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Usar a sala de professores como momento para terapia de grupo, coletivo de autoajuda, desabafo e divã;
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Ser explorado em escolas particulares por outros professores iguais a você;
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Ouvir cantada de aluna (o) atrevida(o), não poder corresponder e ficar com fama de frouxo pela escola;
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Ir à festa de confraternização da escola apenas para esquecer e perdoar as ofensas vividas no ambiente de trabalho;
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Questionar-se por que a Secretária de Educação e o professor dizem que confiam na qualidade da escola pública, mas colocam seu filhinho para estudar em colégio particular;
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Ouvir choro lamurioso de mãe ou ameaça cabeluda de pai quando o filhinho deles reprovar o ano letivo;
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Esperar que o pneu de sua moto esteja furado ou o seu carro arranhado ao anunciar os reprovados no final do ano;
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Ser consumidor assíduo de remédios para garganta, varizes e psicotrópicos na farmácia do bairro;
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Fazer os discentes entenderem que a aula é remota, o ensino, online, o aluno é virtual e o resultado no final do ano letivo vai ser uma droga!;
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Contar nos dedos os dias que faltam para o fim do ano letivo;
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Aguardar seus últimos anos de trabalho numa biblioteca empoeirada, quente e mal iluminada, sem esperar pela frequência discente e docente por lá, sentindo-se encostado e esquecido por toda uma geração de estudantes, professores e governos, e mesmo assim saber que você fez tudo para ensinar uma espécie, educar um país, salvar uma civilização...
Texto dedicado aos bravos professores da rede estadual de ensino
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